sexta-feira, 2 de outubro de 2009


Comida de verdade


Com a ajuda de experts, percorremos

supermercados e descobrimos os

mandamentos para você simplificar

suas compras e identificar de vez

quais são os alimentos mais saudáveis

Corredores compridos e bem iluminados comportam prateleiras empanturradas, com cartazes coloridos despencando do céu. Um labirinto de produtos (são mais de 8 mil itens!) para nos alimentar. No carrinho prateado, um pacote com o meu café-da-manhã: leite desnatado e/ou reconstituído, preparado de morango (água, morango, amido modificado, corante natural carmim-cochonilha, acidulante ácido cítrico, conservador sorbato de potássio, edulcorantes artificiais, ciclomato de sódio, aspartame e acessulfame de potássio, aromatizante e espessantes, goma xantana e goma guar) açúcar, leite em pó desnatado, amido modificado, fermento lácteo e estabilizantes gelatina e pectina. A minha avó Dora diria que é comida de astronauta ou algo vindo de outro planeta. Mas é apenas um potinho de iogurte de sabor morango. O próprio supermercado lembra uma nave espacial para Dorinha, acostumada que era com os mercadinhos que vendiam apenas... comida. Simples, fresca, dava para reconhecer logo de cara do que se tratava.
Foi a partir dos anos 50 que os supermercados passaram a substituir feiras e mercearias país afora, agrupando a enxurrada de produtos que a indústria alimentícia desenvolveu para facilitar a nossa vida. Enlatados, congelados, empacotados, pratos semiprontos e processados surgiram para agilizar o preparo da refeição e dar conta de alimentar a população. Uma maravilha da tecnologia. Acontece que, no meio de tantos novos produtos que surgem a todo instante, perdemos a noção do que é de fato mais saudável.
Para desvendar os mistérios de um supermercado, desbravamos suas prateleiras com a ajuda de nutricionistas, especialistas em alimentação e até designers dessas redes de varejo – e descobrimos a seguir os mandamentos que podem revolucionar suas próximas compras.


1. Coma comida (ou evite o que a sua bisavó não reconheceria como alimento)
Trocando em miúdos: é muito mais interessante para sua saúde ingerir alimentos frescos e integrais, a boa e velha comidinha caseira, do que processados e industrializados. Por isso vale lembrar a época de nossos bisavós (ou até tataravós) e recuar no tempo há pelo menos 80 anos, numa época em que não havia tantos produtos para comer empacotados. Por quê? Bem, é que hoje existe uma penca de outras substâncias comestíveis com aparência de comida, como explica Michael Pollan em seu livro Em Defesa da Comida. O jornalista americano – e o mais recente guru da alimentação – fez uma extensa pesquisa sobre a mudança de comportamento alimentar ocidental nas últimas décadas. Colunista de gastronomia do New York Times, ele constatou que a preferência de consumo migrou drasticamente nos últimos anos dos produtos encontrados na natureza, como um singelo pé de alface, uma peça de alcatra e um suco de laranja, para os práticos alimentos embalados – o que ele chama, não sem polêmica, de comida de imitação. Entram nessa categoria lasanhas, tortas e sobremesas prontas, sucos e sopas em pó, nuggets e hambúrgueres que são uma moleza de preparar.
O ponto levantado pelo jornalista é que não sabemos mais ao certo o que estamos colocando da boca para dentro. Porque, para um alimento ou prato prontos durarem bastante na nossa geladeira ou despensa, são adicionados uma série de outros ingredientes que não fazemos a menor idéia do que sejam. Mas o pior mesmo, segundo Pollan, é que muitas doenças adquiridas pelos hábitos alimentares surgiram dessa nova dieta ocidental rápida de preparar, mas com superabundância de calorias e principalmente três perigosos ingredientes: açúcar, sal e gorduras, que nosso corpo tem uma predisposição a gostar e cujos sabores são difíceis de achar na natureza, mas são bastante comuns e abundantes em comidas processadas.
Daí que separar o joio do trigo nas gôndolas dos supermercados ficou uma missão quase impossível. Tanto é que uma pesquisa realizada entre dezembro de 2007 e janeiro de 2008 pelo Instituto de Pesquisas Ipsos mostrou que 49% dos entrevistados brasileiros têm mesmo a maior dificuldade em escolher e identificar alimentos saudáveis.
A boa notícia é que a própria indústria alimentícia começou um movimento para melhorar o perfil nutricional dos seus produtos. Um exemplo é a criação do Programa Minha Escolha, uma iniciativa global de representantes da indústria (que acontece em mais de 50 países, inclusive no Brasil) que estabeleceu critérios em relação às quantidades de quatro nutrientes: gorduras saturadas, gorduras trans, açúcares e o sódio (sal) – que, quando consumidos em excesso, causam doenças como diabetes, obesidade e problemas cardiovasculares, segundo a Organização Mundial de Saúde. Os produtos que têm quantidades controladas desses nutrientes recebem o selinho Minha Escolha em suas embalagens. Outro jeito de maneirar o consumo desses nutrientes em produtos industrializados é dar uma bela olhada no rótulo: os ingredientes aparecem primeiro na ordem de maior quantidade.
Uma tendência importante que está acontecendo em todo o globo é o renascimento da agricultura local e orgânica, que está aí para comprovar que é possível sim voltar a comer comida de verdade sem precisar voltar ao tempo da bisavó ou abandonar o supermercado – e a civilização.

2 Evite pôr no carrinho produtos com ingredientes difíceis de pronunciar
A lista de ingredientes de um produto espichou com a industrialização. Pegue um pão, por exemplo, que tem na sua composição básica farinha, água e sal. Para durar mais e ficar bonito, ter uma cor apetitosa e se manter cheiroso e macio são acrescentados corantes, acidulantes, edulcorantes, emulsificantes e outros “antes”. Qual o problema disso? “Esses componentes, tanto artificiais como naturais, são controlados e não fazem mal à saúde, mas não devem ser ingeridos em excesso”, diz Márcia Paisano Soler, engenheira de alimentos do Ital – Instituto de Tecnologia de Alimentos. “Isso porque a quantidade controlada é para um produto, e não sabemos ao certo as consequências de uma alimentação exageradamente empacotada”, diz Márcia.
O que fazer? A resposta de Michael Pollan: cozinhe sempre que puder. Se não comer em casa, dê preferência a restaurantes que servem comida mais caseira. Talvez isso soe radical, mas você prestará mais atenção nos ingredientes que consome. A estilista brasiliense Kátia Ferreira há anos incorporou o hábito de comprar alimentos frescos para preparar em casa. E os filhos Samuel e Lucas, de 11 e 12 anos, se acostumaram com a comida da mãe. “Eles não gostam de fast food porque não tiveram o hábito de ir. Não sou de comprar bolacha, refrigerante. Meus filhos gostam de tomar sucos de frutas. A centrífuga não sai da pia da cozinha”, diz Kátia, que trabalha 12 horas por dia e afirma que isso só é possível com uma vida doméstica bem organizada. Ela prepara grãos como feijão e lentilha uma vez por semana e congela as porções e também alguns pratos. “Outro dia o Samuel pegou uma lata de sardinha e viu que era válido até 2012. Ficou chocado e não quis levar”, conta Kátia.

3 Elabore uma estratégia para facilitar suas compras
O designer Mauro Minniti é um superespecialista em supermercados. Sabe como poucos as estratégias das lojas para vender mais produtos e as artimanhas que tornam o momento das compras – para muitos a coisa mais maçante do mundo – algo agradável. Ele é sócio da Design Novarejo, empresa focada em design de supermercados. A primeira dica dele é esta: crie o hábito de fazer suas compras sempre nos mesmos lugares (é bom ser mais de um para fazer a comparação de preços entre eles). Vale a pena criar um vínculo com um supermercado, porque você acaba conhecendo os funcionários e pode cobrar a qualidade dos serviços, exigir preços melhores e solicitar informações de produtos. “E o mais importante é que você desenvolve um relacionamento mais humano e menos comercial”, diz Mario. Fora que o hábito faz com que você conheça melhor a disposição dos alimentos nas gôndolas, o que agiliza bastante a hora das compras.
Escolhemos o supermercado a que Mario sempre vai perto de sua casa, no bairro de Moema, em São Paulo. Assim que chegamos, ele saca do bolso sua lista de compras com os produtos em falta na despensa e geladeira, bem específica para suas necessidades. Segundo ele, essa é a arma mais importante para agilizar sua ida ao súper e não voltar para casa com mais itens na sacola do que realmente precisa. Algo que não faz parte do hábito de consumo brasileiro: pesquisas mostram que mais da metade dos consumidores não faz lista de compras. Simplesmente entra no mercado e decide o que vai levar conforme vão passando pelas prateleiras.
Para minha surpresa a estratégia de Mauro é ainda mais elaborada. Sua lista está organizada de acordo com o trajeto que ele percorre, levando em conta a sequência de exposição de produtos nos corredores. Ele reservou uma ida ao mercado apenas para elaborar seu roteiro e traçar essa estratégia, que também leva em conta começar a compra pelos produtos mais pesados, depois os mais leves, incluindo os hortifrútis, e por último os congelados e refrigerados. “Os supermercados vão oferecer o mundo, tem os lançamentos, as degustações, as promoções, todo o material publicitário – e a lista te ajuda a manter o foco e não cair em armadilhas”, diz Mauro, enquanto empurra com destreza o carrinho. Sua organização é de dar inveja até as integrantes mais carolas da Associação das Donas de Casa de São Paulo.
Durante o percurso, Mauro diz que vale a pena dar preferência aos supermercados que apresentam uma imagem mais simples e aconchegante. Se ela é muito confusa, com bastante propaganda e poluição visual, não está comprometida com o bem-estar do consumidor. “A loja não pode cansar e os próprios supermercadistas estão buscando deixá-la cada vez mais clean, com menos barulho e cartazes”, explica.
Quando já estamos na fila do caixa, surgem as tentações. Mauro explica que os 20% finais de tempo no súper representam o maior perigo, pois são as compras feitas por impulso. Depois que você compra tudo o que necessita, vem o momento do deleite – e aí é bom prestar atenção para não exagerar. Doces, biscoitos e refrigerantes que ficam próximo ao caixa não estão ali por acaso.
O resultado final desta operação: economia e tempo. Está mais do que comprovado que, quanto mais tempo você ficar dentro da loja procurando produtos, mais você irá consumir.

4 Prefira sempre os corredores periféricos do supermercado
Você já deve ter reparado que a disposição dos supermercados de um modo geral é bem parecida: os produtos alimentícios industrializados ficam nos corredores centrais da loja, enquanto os alimentos mais frescos – hortifrutigranjeiros, laticínios, carnes e peixes, ficam nas laterais e no fundo. “Se você dedica seu tempo às prateleiras periféricas, está priorizando uma alimentação mais saudável”, afirma a nutricionista Neide Rigo, autora do blog come-se.blogspot.com. Ela ensina uma regrinha básica para o seu “momento supermercado”: priorizar os alimentos em que você enxerga “a cara”. É melhor levar carnes congeladas, que você vê o que é, do que comprar uma carne processada (empanados e embutidos, por exemplo), que é uma massaroca com outros ingredientes em sua composição. “Tais produtos servem para emergências, mas não devem fazer parte do dia-a-dia”, diz Neide.
Escolher alimentos mais frescos no lugar de semiprontos significa arrumar tempo para prepará-los. De acordo com Neide, é uma questão de organização – e de rever as prioridades. “Tem gente que gasta duas horas na academia, chega em casa e tira o prato pronto do congelador. Mas faz uma diferença razoável na qualidade da sua refeição reservar uma horinha para preparar uma salada, fazer um arrozinho fresco com um peixe grelhado, enfim, a comidinha básica”, diz Neide.
A nutricionista recomenda que se faça uma compra grande do mês no supermercado, para também repor os itens de limpeza e higiene, e compras semanais em mercadinhos do bairro e feiras para as refeições da semana.

5 Evite produtos que aleguem vantagens sensacionalistas para sua saúde
Equipada com um carrinho e uma copilota, fui conduzida pelo supermercado, fazendo pit stops quando avistávamos produtos com os seguintes dizeres nas embalagens: “Enriquecido com ferro”, “Mais cálcio”, “Agora com vitaminas A, D, e E”. Minha acompanhante, a nutricionista Cynthia Antonaccio, explicou que essa é uma tendência recente da indústria de alimentos, a de melhorar seus produtos, adicionando vitaminas e minerais e, em alguns casos, estampar seus benefícios, dizendo que diminui o colesterol ou faz bem para o coração. “De fato, é um movimento bastante positivo, mas você precisa prestar atenção no rótulo. Observe se o produto tem quantidades controladas de açúcar, sal e calorias – porque de nada adianta uma bolacha ter muito açúcar ou gordura, por exemplo, e ser enriquecido com alguma vitamina”, diz Cynthia. Então, o que fazer? Primeiro, suspeite. Depois, olhe a composição do produto e avalie se ele vai para o carrinho.
Passamos pela seção de hortifrútis e damos de cara com uma pilha de tomates. “Alimentos in natura, como vegetais, frutas e grãos, certamente são sempre a melhor opção e em geral dispensam comunicação e rótulos”, diz Cynthia. Não tem nenhuma placa dizendo que o tomate é rico em licopeno, que fortalece o sistema imunológico. O recado é o seguinte: você nem precisa comer alimentos enriquecidos artificialmente se tem uma alimentação naturalmente mais equilibrada, variada e rica.

6 Pague mais, coma menos (e com muito mais prazer)
Na gôndola, uma placa chama a atenção para o preço convidativo de um produto. O precinho é tão camarada que você não resiste e acaba levando logo uns três. Este é objetivo: vender mais. E iguarias produzidas pela indústria em enormes quantidades muitas vezes conseguem ser vendidas mesmo a um preço espetacular. O ponto é que alimentos mais bem cuidados e produzidos de forma menos intensa não conseguem um preço tão competitivo e são normalmente mais caros. Veja o exemplo dos orgânicos, que são produzidos sem pesticidas, em escalas menores, e portanto tem um preço mais salgado. Claro que essa não é uma regra, mas a idéia aqui é trocar a quantidade de alimentos pela qualidade.
Os nutricionistas alertam que uma dieta baseada mais na quantidade do que na qualidade conseguiu produzir pessoas que conseguem ser superalimentadas e subnutridas ao mesmo tempo. É o resultado de uma alimentação rica em calorias e pobre em nutrientes. Para escapar dessa enrascada, a receita é esta: preste atenção na qualidade do alimento e maneire no tamanho do prato.
Uma das populações mais longevas e saudáveis do mundo, o povo de Okinawa, no Japão, pratica um princípio que se chama hara hachi bu: comer até estar 80% saciado. Ou seja, não se empanturrar e fazer algo que os franceses seguem à risca – diminuir o volume do prato, mas nem por isso deixar de ter prazer com a refeição. Saber se você não está passando dos limites é mais simples do que parece. Fique atento aos sentidos durante refeição, em vez de comer distraído ou na frente da TV.

7 Coma como os franceses. Ou os italianos. Ou os japoneses
Ou ainda os gregos, os árabes, os indianos. Quando a alimentação segue uma tradição cultural, tende a ser naturalmente mais saudável. Isso porque foi elaborada levando em conta os produtos locais, mais frescos. Tome como exemplo o Japão, que por décadas teve como ingredientes básicos de sua culinária arroz, vegetais e peixes em abundância, já que o país é uma enorme ilha cercada de mar. Uma alimentação leve que nos últimos anos foi drasticamente alterada com a incorporação de hábitos de consumo ocidentais. Os japoneses passaram a devorar salgadinhos, pratos para microondas e todo tipo de comida embalada. Todos esses produtos, vindos de outros países, abalaram a economia do país no setor – e a saúde da população. A ponto de o governo japonês criar recentemente uma grande campanha que incentiva os japoneses a recuperar os velhos costumes e voltar a saborear os pratos típicos.
Tem mais. Dietas tradicionais vêm temperadas com hábitos e rituais ancestrais de consumo, que levam em conta, sobretudo, comer com fruição, sentar ao redor da mesa e partilhar com familiares e amigos uma refeição. Já a alimentação ocidental industrializada perde em todos esses quesitos. O que predomina é a comida barata, rápida e fácil de ser feita. E já vimos que para comer bem é importante investir mais tempo, esforço e recursos. “Se a dieta ocidental se preocupa com a praticidade e o shelf life, o tempo de vida do alimento, para ele durar mais na despensa, eu estou mais preocupada com o meu tempo de vida”, diz Cenia Salles, líder do Movimento Slow Food de São Paulo. Uma alimentação, esta sim, longa vida.

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